
Todo verão aqui na Alemanha eu me pego pensando em como eu poderia ficar aqui para sempre se todos os dias fossem dourados e ensolarados como hoje. As folhas das árvores estão verdinhas, muitas flores perfumam o ar, a estação das frutas mais deliciosas nos enche de água na boca. É um tal de passar tardes no Biergarten, nadar numa lagoa qualquer, apreciar os girassóis, escrever esse artigo da varanda. Verão... um tempo em que as pessoas sorriem mais, estão de bem com a vida, deixando seus corpos tostarem sob o sol.
Eu me pergunto o que faz essa estação ser tão especial e altamente antecipada, cheia de festivais e expectativas. O sol é uma dessas razões, obviamente, mas existe mais que isso. É a alegria de viver que parece enjaulada durante o frio que de repente se liberta, pulsa em nossas veias e nos faz sorrir.
E é o frio, que vira e mexe dá as caras, que nos faz valorizar o calor e toda a vida que o sol desperta. Porque se não existisse o frio, a neve e a escuridão do inverno, daríamos assim tanto valor à luz e ao calor? Será que acharíamos o calor algo normal, buscando mais a sombra do que a luz?
Me lembro de quando ainda morava em Salvador e como nós programávamos tudo para evitarmos o sol. Queríamos sombra, um mergulho no mar antes das dez da manhã ou após as três da tarde, uma caminhada ao meio-dia... nem pensar! É claro, a intensidade do calor baiano nem se compara ao calorzinho mixuruca dessas bandas, mas ainda assim... nós evitávamos o sol porque lá estava ele presente o tempo inteiro. E quando chovia um tiquinho achávamos ótimo; era a desculpa perfeita para ficarmos debaixo das cobertas tomando chocolate quente assim como nos filmes.
Durante o verão alemão, nossas vidas ficam muito intensas, nesse afã de tudo aproveitar. Já tive semanas de chegar todos os dias tarde em casa devido à procissão de visitas ao biergarten, piqueniques, piscinas, parques, enfim. Queremos aproveitar todos os momentos, porque afinal pode ser que o amanhã traga chuva, uma neblina chata mesmo no pico da estação, uma frente fria com ventos gélidos. Tudo é possível, então viva o carpe diem, e todos os dias a cidade ferve e festeja.
Nós sabemos que o calor pode acabar num piscar de olhos, então esse lindo alvoroço chamado verão nos convida a aproveitar cada momento. Os meses passam rápido e logo chegam as férias, quando as crianças não mais têm a escola para passar o tempo e você é “obrigado” a tirar folga. Muitos de nós desbravam outras terras ainda mais quentes, porque queremos sol e sal. No sul da Europa (ou sei lá onde) vamos brindar cada dia ensolarado intensamente, porque sabemos que, ao voltarmos, as folhas das árvores mudarão de cor. Seus tons vermelhos e amarelos, apesar de lindos, são o epílogo da estação mais colorida, mais calorosa.
Assim daremos boas vindas ao outono, logo adiante ao inverno, quando hibernaremos um tantinho e ficaremos com a cara amarrada com a falta de sol da qual tanto
precisamos (é inevitável). Mas assim que o sol voltar, será novamente uma festa, a mais linda de todas! Nesse ciclo da natureza, nesse complexo caso de amor em que um dia amamos a nossa nova casa
que é a Alemanha, no outro dia odiamos esse lugar com todas as forças, lembremos que o motivo de darmos tanto valor ao sol é a sua ausência. Se ficarei na Alemanha para sempre, isso não sei
dizer, mas percebi que é nesse equilíbrio entre luz e escuridão onde encontramos o verdadeiro amor pelo verão, sua quentura aceso dentro de nós, independentemente da temperatura lá
fora.
Assim acontecem os versos de cada estação, um poema para celebrar, curtir, amar...
Outono
De cores fortes as folhas se vestem, grandes maços vermelhos, verdes, amarelos
Uma festa, sinfonia do mais belo de encontro à morte que espera
Sim, porque as cores são o prelúdio do desfecho
Quando, uma a uma, folhas se desprendem de galhos secos
O epílogo da vida, isso é, um grande preço.
Do rio admiro o conjunto das coisas, meu coração triste e alegre
Afinal que lindo fora o verão, quente e intenso!
É hora de descansar, uma pausa merecida
Mas espero que logo passe e vá embora
Na mesma velocidade que o queimar de um incenso.
Deixo pra lá esses pensamentos, sei que diminuir o ritmo é preciso
Sei lá, quem sabe a estação colorida ganhe espaço no peito
Tomo meu café pra esquentar
Fecho os olhos com os últimos raios de sol
E prontamente aceito.
Inverno
Não tarda para os primeiros flocos de neve descerem à terra
Em câmera lenta, o tempo quer ver o branco cair e desfilar
Na palma de minha mão, ainda lembro a primeira vez que a vi pousar
Fora lindo, indescritível, quase fiquei sem acreditar.
Mas o deslumbre se vai e o frio persiste
É neve, é chuva, é vento, é intempérie
Juntos então, possuem a capacidade de te trancar em casa
Como consequência a solidão, quebradas estão suas asas.
Até descobrir pequenos prazeres, por que não?
Resumido no chocolate e no vinho, um toque de verão
Bebo um pouco a mais e longas noites durmo para a estação mais fria se despedir
Mas o inverno se arrasta como um caracol de jardim.
Primavera
Não é que as margaridas florescem a cada verde?
Ora, à espreita vão surgindo as mais lindas flores
O renascimento prossegue, apesar da ressaca do inverno
Não faz mal, a natureza novamente surge corajosa, um poema no meu caderno.
Voltando à vida, meu sorriso se alarga
Não é à toa que o sol aparece e dá as caras
O escuro se vai, a luz toma conta, amarela e dourada
Como senti falta de ti, meu coração pedia o teu perfume
Não me importa que o inverno sinta ciúme!
Conto as horas e os dias para a grande comemoração
Sem demorar, lá vem a mais doce estação
Cada passo conquistado, de mansinho ela chega
Vem verão, enterra o frio de uma vez!
Mas ainda não tem forças suficientes, eu sei.
Verão
Às vezes embaça, às vezes queima
É nos seus braços, quente estação, onde avisto as belas estrelas
Não tenho medo de suas chuvas, nem de seu temperamento forte
Brilha, me envolve, sua luz desejo ao sul e ao norte.
No meu rosto vêm as sardas, logo as cores da juventude reaparecem
Ah, meu corpo brinda os céus azuis, a areia sob os pés
Meus cabelos ao vento com a bicicleta, liberdade plena
O amor se esvoaça como um poema à Julieta.
O dia mistura-se com a noite, o sol alto entre as nuvens
Falta vontade de dormir, de olhos abertos quero sonhar
Porque nos seus braços, verão, a felicidade aterrissa
É um amor passageiro, mas que sempre voltará.
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